*** UM GRITO... ***
Meu sorriso há muito desapareceu..
A ironia mora aqui... comigo..
I
Sou rameira que inspira desencanto;
perdida sem futuro e sem amores...
Sobre a tumba dos meus sonhos ora canto
ao colocar alí um buquê de flores...
II
Odeia o mundo meu canto sofrido;
o estigma social marcou-me a frente...
Feito fonte de dor, cada gemido
mostra a cruz, em meu peito sofrido
e incita ao sarcasmo, toda gente...
III
Sem luz na alma e com ilusão tristonha,
O pesar não mais irrita nem abate...
A fronte envelhecida já não sonha
e nem o lesado coração mais combate...
IV
Repugna a todos meu fatal delírio,
repele à todos o meu sofrer eterno...
Eis que em minha auréola de martírio;
brilha sinistra, parte deste edílio,
A tenebrosa chama do inferno
V
Devorada por negros pesadelos;
lanço por vezes sonoras gargalhadas...
Po ser de infame puta um modelo,
Joguei fora minhas crenças adoradas...
VI
Sem fé em minha fé vertí meu pranto;
e com ela perdida de vez, busquei a orgia...
Mas o vício só fez crescer meu desencanto;
a solidão de meu catre viu meu pranto,
e agora o vício e a virtude... Tudo me enfastia...
VII
Agora para o meu coração feito de lodo;
nada neste mundo pode comovê-lo...
E então pesarosa e indiferente a tudo;
Não mais sou feliz, nem posso sê-lo...
VIII
Minha vida tornou-se decepção terrível;
o mundo desapiedado, mais acha é graça...
E agora entendo o porque de ser possível;
Meu coração que foi outrora tão sensível,
Não mais sofrer ao encontrar a desgraça...
IX
E se me dói sentir a dor de alguem; então,
meu riso abafa este penar tolo e profundo...
Se me resta ainda no coração algo de bom;
me dá vergonha mostrar isto para o mundo...
X
Quando a pena veio e torturou a minha vida;
a desgraça levou-me célere para o abismo...
Soberba fui ao disfarçar minha ferida;
encobri a alma por não ver mais uma saída,
Com torpe descaso, tão comum no cinismo...
XI
No começo da juventude somos sensíveis;
amo a tudo; acreditava eu, tão inocente...
Então na vida, pratiquei coisas horríveis;
E de maldade, povoou-se minha mente...
XII
Eu combatí cheia de ânimo e esforçada,
contra a sanha de minha sorte tão ruim...
Mas em meio à luta; sozinha e fatigada;
no turbilhão ruim que era a minha estrada,
sentí aos poucos minguar as forças em mim...
XIII
E eu busquei assim; sedenta de perigos,
as amizades, os amores, as emoções...
Turbas infindas de mulheres e amigos
apareceram a infileirar decepções!..
XIV
Olhando para os sentimentos naufragados;
burlei eu mesma, o mais amoroso empenho...
Eu já não via mais castelos encantados,
nesta base efêmera e feita no desdenho...
XV
De minha pobre ilusão assassinada,
os restos profanaram toda melancolia...
E o cadáver de minha fé massacrada;
Apodrecendo na moral ,tão execrada,
Velei rindo, com as luzes fracas da orgia...
XVI
Em culto pagão a este mundo salafrário,
de minha minha juventude tão inquieta...
Vestida de colombina, fui ao calvário
e lá vivi, com meu canto, a triste meta...
XVII
Em irritantes gozos inescrupulosos
escarnecí com meu penar tão indigente...
fiz cabriolas, transei com pobres e poderosos;
com desconhecidos, feios, lindos ou charmosos,
e apesar da ira, diverti à muita gente...
XVIII
Mas penitente já; sofro então chorando,
consumida estando por uma letal tristeza...
Pela via mais dolorosa vou carregando
a grande e ridícula cruz de minha pobreza...
XIX
Como troféu de quem o mundo não perdoa;
heroína pândega de carnaval e mártir escrota...
Na solidão abandonada e sempre à toa;
um barrete de louca é hoje minha coroa...
E por túnica eu visto uma velha capa rota.
XX
Nutrida com as mais negras decepções,
envergonhada do que eu fiz, neste jogo..
Renego a todas estas tolas ilusões
que acariciaram a minha juventude de fogo...
XXI
A ilusão brilhante que alagava
minha idade juvenil, eu que a maldiga...
A boemia, esta que então imperava;
só me deu falsas glórias e me mostrava,
sonhos de rainha em leito de mendiga...
XXII
Sonhei com a fama e meu delírio foi tanto,
foi tal a audácia desta mente quase louca;
que a glória de Deus, pai único e santo,
à minha ousada ambição, pareceu pouca...
XXIII
Mas eis que Deus abate a soberba rara
er severa; encontro a expiação agora...
Ao ver prostrada a salvação que eu matara,
na falsa glória que na noite eu alcançara,
Satanás, no fim, venceu ao vir a aurora...
XIV
Meu sonho foi uma piada ilusória,
não existe este laurel tolo e louco...
Para dar-me esta impossível glória
na orbe não é nada, o infinito é muito pouco...
XXV
Já não me importa mais a dor presente;
também não me importa a dor passada...
Sou um espírito ruim e renitente;
o porvir, hahaha...espero indiferente...
Tanto faz, feliz ou sempre desgraçada...
XXVI
Só meu fastio certo, agora importa..
Cansada estou da duração desta guerra...
Num grito ao Pai, só um pedido me exorta;
Deus!, que em meu ataúde de morta,
Eu possa dormir em paz, debaixo da terra.
MariaAntonietaRdeMattos.
dezembro de 2003