Gente!!... Quem tem mais de 40 anos vai se sentir em casa...
Pra quem tem menos... risos, uma lição de história antiga...
***UM DOMINGO DE 1966 ***
I
Apucarana, qualquer dia de domingo de 1966..
Acordo meio tarde..Deve ser mais de 8 horas... Mas não podia deixar de assistir o filme "os Invasores" que já começou tarde, .. 22:00hs e acabar a noite, sob olhares de reprovação de meu pai, vendo o Elliot Ness dar mais uma surra na turma do facínora Al Capone!. "Os Intocáveis " acabou mais de meia noite..Ah!! e o David Vincent conseguiu segurar a onda mais uma vez, estragando mais um plano para dominar a terra, perpetrado pelos invasores.
Corri até o quarto de meus pais e dei um beijo em cada um para ir deitar. Consegui pegar uma calcinha de minha irmã no varal, sexta feira, e tenho dormido com ela... A mesma velha sensação de relaxamento e indescritível bem estar se espalha por todo meu corpo assim que, por baixo do lençol sinto minhas pernas nuas em contato uma com a outra... Sou uma mulher, vario em sonhos de erotismo...
Puxa vida, esquecí de rezar... Meu Deus do céu.. e agora, com esta calcinha? Será que Deus vai ficar zangado comigo por estar usando-a..? Por via das dúvidas é melhor tirá-la para rezar. Jogo fora a coberta com os pés, tiro a calcinha e rezo o pai nosso... Coloco a calcinha de novo e me cubro rapidamente.. Ouço minha irmã a gritar de lá do quarto dela... - "Bença pai!!"... "Bença mãe".. Durmam com Deus, pai e mãe...
Eu rolo um pouquinho pra cá e pra lá.. Não conseguirei dormir se não o fizer também... Estou achando meio ridículo mas meio com sono me vejo gritando também... "Bença pai"... "Bença mãe"... durmam com Deus, pai e mãe.
Voltando ao domingo... Quase oito horas... O cheiro de café entra no meu nariz e me acordo de vez. A Delfina ( nossa empregada) canta a pleno pulmões uma música que está fazendo o maior sucesso.. Wilson Simonal e "Meu limão, meu limoeiro". Nós temos até o disco long playing onde ele canta esta música e eu a acho muito legal. Trato de pular da cama e a primeira coisa que faço é esconder, debaixo do estrado da cama, a ex-calcinha de minha irmã. Vou pro banheiro, tiro o pijama de flanela todo amarrotado na parte de cima, apresentando a calça ainda passadinha... risos.
Hoje o dia promete!! Entrou em cartaz no cine Guarujá um filme que meus amigos disseram que a gente se parte de rir.. "A Corrida Do Século" onde, segundo o Nestor, meu colega de 1º Científico, foi um dos que assistiram parte do filme quando o Napoleão estava colocando os rolos nos projetores.
- Até a a torre Eiffel é destruída por um professor muito louco - diz-me ele entre risos...
NÃO POSSO PERDER!! Armo a estratégia enquanto tomo café apressado. Vou à missa das oito primeiro... assim eu faço uma média com Deus e com minha mãe que vive me observando demais nos últimos tempos...Não tenho me acerta do muito bem com a química do Caldini e a física do professor Florindo, mas tudo faz parte! O Duro é aguentar o Padre Leonardo falar com aquela vozinha de velhinho dele, e em latim. E, apesar de eu ter sido coroinha por 3 anos e saber repetir todos os refrões, não sei patavinas do que estão falando!!
Volto da missa mostrando uma jovialidade absolutamente desproporcionada e descabida. Meu pai está na mesa de café lendo "O Estadão" e escutando na Bandeirantes, o Vicente Leporace contando todos os crimes hediondos que aconteceram em São Paulo de ontem pra cá. Meus velhos trocam olhares de entendimento entre eles. Só muito tempo depois, rsrsrs.., quando meu filho fez o mesmo caminho, pude entender o tamanho do discurso que tinha rolado entre eles naquela simples troca de olhar.
Descobri que o nosso Aero Willys, lavado no final do dia de sábado e guardado na garagem de casa, estava muito sujo e que eu, estando mesmo à toa, poderia perfeitamente dar uma passada de água com sabão no carro e deixar as faixas brancas limpinhas como meu pai gostava.. O jornal abaixa-se e por trás dos óculos, novo olhar cruzado entre a mesa e o fogão da cozinha.
Quando meu pai baixou o périódico para, com voz empostada de autoridade me alertar que sou menor de idade, não possuo carteira de habilitação e nem estou indo tão bem assim na escola, que me dê o salvo conduto para umas voltas com ele do lado, desarmei-o com um olhar inocente e disse que ele tinha toda a razão. Que eu não iria lhe pedir o carro... ante a surpresa dele e de minha mãe detonei o final da conversa...
Só quero ir ao cinema hoje na 2ª sessão!!
II
Um pequeno intervalo gente. O que ficticiamente está se passando nesta narrativa, tem muito da realidade de minha adolescência e, se não ocorreu exatamente desta forma, creiam-me... não foi muito diferente..No meu caso as cores tem uns tons um pouquinho diferentes, sem deixar de nos dar um gostinho amargo e doce de saudades e lembranças.
Eu ficava a semana toda me cuidando e "sendo" uma alma caridosa em casa porque se nada tivessem a declarar contra mim, o Aero Willys acabava sendo meu no fim de semana, depois, é claro, de todo um ritual... risos. Moro ainda, como morava na época, na mesma pequena cidade do interior onde 20.000 almas se conheciam e todas se inter relacionavam. Duas sessões de cinema no domingo.. Uma às sete, para a moçada mais nova e que tinha que ir pro colégio logo cedo, na segunda... A outra, mais tarde, aí pelas nove horas, era o supra sumo do final de semana.
Nesta sessão é que iam as garotas mais bonitas, mais sexis... Era nesta sessão que iam também "Os caras"... aqueles a quem devíamos seguir em gestos e modos.
Eram os nossos Elvis, Lennon e Buddy Holleys...!Assim que acabava a primeira sessão e o "seu" antônio abria a portaria... entrávamos em bandos... As moças sentavam-se recatadamente em lugares escolhidos alhures, colocavam-se expressões de enfado nos rostos e pareciam extremamente "entendiadas-com-tudo-isso".
Os rapazes... risos... ficavam subindo e descendo pelos corredores do "Cine Guarujá" olhando de rabo de olhos para as cadeiras, marcando lugares e tal... Uma música do Ray Connif marcava o início da sessão... As luzes se esmaeciam e um projetor "meia boca" começava a mostrar as camas e guarda roupas das "Casas Progresso"... risos...A fotografia que mostra a loja em um canto superior, estampa a fachada da loja como era há 15 anos atrás. Seu proprietário, "seu" Ataídes, sovina conhecido por toda Apucarana, se recusou a tirar uma fotografia nova da sua loja, de forma que lá está, em frente às portas de entrada, um palanque de madeira de eucalipto, próprio para amarrar os animais de fregueses.
O Napoleão, encarregado do projetor, sempre de latão cheio, invariavelmente colocava os slides ao contrário, engordurados e cheios de "marcas" do sebo da mortadela que ela punha no pão, ou, muitas vezes de cabeça pra baixo... quando isto ocorria, a sala quase vinha abaixo;...As vaias eram certas... Então. meu Deus, assim que as luzes deixavam de incomodar, os rapazes, como que por mágica, já estavam sentados de "bonde" ao lado das felizardas... risos..
Isto tudo... só na sessão do Cine Guarujá....
III
E lá estou eu, ingresso na mão(1/2) e carteirinha da UNE na outra. dizem que em São Paulo e mesmo em Curitiba, esta carteirinha não vale mais nada. Fomos então avisados pelo diretor Fred, que no nosso caso, as carteirinhas continuarão valendo desde que jamais apareça algum estudante comunista no Colégio Estadual. E quem é louco de ser comunista? Pra perder a carteirinha?... Esses caras não batem bem da idéia... definitivamente...
Depois de toda a "sessão" ocorrida como expliquei acima, O ruído desagradável do projetor meia boca para bem no meio do comercial do sorvete "Q Delícia".. Uma escuridão demorada já nos indica que o napoleão está de fogo, pra variar,..risos.
Então a tela se ilumina e aparece aquele morro no fundo de um vale. Ao som de Chô..Chô...vaiado por todo mundo na sala, uma ave de rapina alça vôo, atravessa a tela e, sem nos dar a menor confiança, se transforma em um letreiro que nos informa ser da CONDOR aquela fita..
Ah gente... quantas saudades...
Quando, ao fim do filme, o Professor Fate interpretado pelo impagável Jack Lemmon, destrói a torre Eiffel na sua tentativa invejosa de acabar com o Grande Leslie, vamos todos tomar iogurte, farinha láctea ou uma "Cerejinha" na lanchonete "São João".
Depois... de trote pra casa. Tenho coisas interessantes sob o estrado da cama e amanhã cedo o Florindo estará mandando bala logo na primeira aula com uma tal de Equação de Torricelli... suspiros...
Este foi um dia qualquer de domingo...1966.
Um beijo proceis...!!!
setembro de 2008